Falemos em sério a respeito das nossas chances de sobrevivência, de estarmos vivos em 5, 10, 20 anos.
De cara, aparece um problema: os pacientes morrem de outras causas também. E como esse é um câncer que é muito mais frequente em idosos, o câncer tem que competir com outras causas – derrames, enfartes, Alzheimer’s etc. pela honra de nossa morte... Por isso, os analistas dividem as mortes em dois grupos: as devidas a todas as causas e as devidas e este câncer.
Os canceres da próstata podem ser divididos de acordo com a agressividade – medida pelo escore Gleason. Os portadores de canceres menos agressivos tem um risco de dez por cento – ou menos! – de morrerem desse câncer nos dez anos depois do diagnóstico. Porém, lá no outro extremo, os com canceres muito agressivos tem uma chance muito mais alta: 60%!
Porém, e os que estão “no meio”? Nem pouco, nem muito agressivos? Entre eles, o risco é um pouco maior do que entre os que tem canceres pouco agressivos: 13%.
Parecem quase iguais, mas não são. A diferença é que esse grupo “do meio” raramente (13% é raramente por nossos critérios) na primeira década, mas o câncer avança em 40% deles. Ou seja, um número considerável deles ainda poderá morrer do câncer, mas depois de mais tempo: 15, 20 ou mais anos. Não obstante, quando colocamos mais vinte anos em cima dos 60 ou 70 iniciais, chegamos a 80 ou 90 e, com ou sem câncer, a sobrevivência nessa idade é relativamente curta. Infelizmente, é o meu caso: com mais de 78 anos e um câncer que avança, estou sendo atacado por vários lados, inclusive como consequência do tratamento para dar uma diminuída na velocidade do câncer. O Lupron aumenta o risco de problemas cardiovasculares, inclusive de morrer por essas causas.
O câncer da próstata tem características diferentes, talvez opostas, a de vários outros canceres. Muitos canceres são considerados curados depois de cinco ou dez anos do tratamento original. Nós não temos essa sorte. Os curados, curados estão, mas nos não curados, o câncer pode ir se tornando mais agressivo e avançar. O resultado é que a mortalidade específica volta a aumentar depois de 10, 15, 20 anos.
Uma pesquisa feita na Suécia, por Johansson e associados, acompanhou pacientes inicialmente definidos como portadores de canceres localizados por 21 anos, na média. Nesse tempo, o câncer avançou em 40% dos casos, em 17% se transformou num câncer generalizado e 16% morreram dele. Um em seis.
A conclusão é chata para nós: em muitos casos, o câncer da próstata evolui lentamente, mas nem tão lentamente quanto gostaríamos, e depois de 15 ou 20 anos se transforma em um câncer agressivo. A mortalidade específica passou de 15 por mil anos-pessoas nos primeiros 15 anos para 44 depois dos quinze anos.
Infelizmente, há muitos médicos pouco informados que querem aplicar ao câncer da próstata a mesma historia natural de outros canceres.
Se chegar aos ossos a coisa fica feia. A mediana da sobrevivência fica entre 27 e 33 meses; em cinco anos, 75% estão mortos e, em dez anos, são 90%. Notem que esses prazos são computados a partir do momento em que a metástase óssea foi detectada e não a partir do momento em que o câncer foi diagnosticado, o que por essa historia natural ocorreu mais de dez anos antes.
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ