Snow Flakes rico em ferro e cálcio: mas cadê o cálcio?
Saúde

Snow Flakes rico em ferro e cálcio: mas cadê o cálcio?





O cálcio é um nutriente essencial necessário em diversas funções biológicas. Entretanto, grande parte da população brasileira apresenta consumo de cálcio abaixo do recomendado. Em vista dessa deficiência cada vez mais as industrias de alimentos usam nutrientes essenciais como estratégia de marketing para aumentar o consumo de seus produtos mas nem sempre o oferecido é verdadeiro. "Snow Flakes rico em cálcio e ferro" oferece ao consumidor 31% do consumo diário de cálcio em somente uma porção. Mas ao analisarmos melhor o rótulo descobrimos que a fonte de cálcio majoritária não é o cereal.

O cálcio é o mineral em maior quantidade no organismo humano, responsável por 1 a 2% do peso corporal. Deste total, 98,9% estão nos ossos. Assim, os ossos funcionam como grandes reservatórios, liberando cálcio quando há hipocalcemia e retendo-o no caso de hipercalcemia. Por esse mesmo motivo, a deficiência de cálcio pode passar despercebida por longos períodos sendo detecta tardiamente.

Artigos mais antigos relatam que a deficiência crônica de cálcio resultante de alimentação inadequada ou absorção intestinal diminuída acarreta elevação da produção do hormônio da paratireoide (PTH) e reabsorção óssea, provocando redução da massa óssea e osteoporose. Porém um artigo recente refere que a ingestão de altas quantidades de cálcio pode não diminuir o risco de osteoporose lançando assim duvidas quanto a sua importância na prevenção dessa doença.

A absorção do cálcio proveniente da dieta diaria varia em alguns alimentos, chamando-se a atenção para os que contêm ácido oxálico, fosfatos, gorduras, álcool e cafeína. Todos são fatores que podem diminuir a absorção do íon, tornando o cálcio menos disponível. Contudo, este tema ainda é controverso e necessita de estudos. De maneira geral, os carboidratos melhoram a absorção de cálcio, principalmente a lactose, enquanto as gorduras parecem ter efeito contrário.

As mudanças de comportamento alimentar que estão ocorrendo na sociedade têm promovido grande impacto no panorama da saúde do povo brasileiro. Tais modificações provocam também uma alteração no foco das industrias de alimentos que procuram preencher as necessidades nutricionais da população investindo em produtos que contenham nutrientes como cálcio ou ferro e modificações na composição dos alimentos como: diminuição na quantidade de gorduras, sal ou açúcar. Porém nem sempre essa “alterações” anunciadas nos rótulos condizem com a verdade.

A grande vantagem, apresentada pelo fabricante, do novo “Snow Flakes rico em Cálcio e Ferro” seria a ingestão de 31% da recomendação diária de cálcio em apenas uma porção do cereal (30g). Contudo, a informação nutricional fornecida na parte posterior da embalagem e a observação localizada inferiormente na parte anterior da embalagem, e em menor destaque, não corresponde ao enfatizado pelo fabricante (Figuras 1.3 e 1.4). De acordo com a informação nutricional uma porção de 30 g do cereal oferece somente 120 mg de cálcio, correspondente a 12% do valor diário de referencia com base em uma dieta de 2.000 kcal ou 8.400 J. E que com a adição de 125 mL de leite semi-desnatado à porção de 30 g de cereal o conjunto passa então a fornecer ao consumidor os “gloriosos” 306 mg de cálcio, que irão corresponder aos 31% do valor diário estampado na embalagem do produto. (Figura 1.2)



Outro detalhe a ser levado em consideração, encontrado na embalagem, seria a presença de ilustrações e símbolos que podem incentivar o consumidor a adquirir o produto. E que junto as informações citadas acima podem conduzir o consumidor ao erro (Figura 1.1).

No Brasil, a organização administrativa voltada para o controle de alimentos é bastante complexa. As legislações vigentes atuam de uma forma muito ineficaz no que condiz, a regulamentação técnica para promoção de produtos industrializados o que permite abusos na comercialização e rotulagem desses produtos.

Atualmente a rotulagem geral de alimentos é regulamentada, principalmente, pelas legislações do Ministério da Saúde – RDC nº259, de 20 de setembro de 2002 que dispõem sobre o Regulamento Técnico sobre Rotulagem de Alimentos Embalados, pela Instrução Normativa nº 22, de 24 de novembro de 2005 que aprova o Regulamento Técnico para Rotulagem de Produto de Origem Animal embalado, e do INMETRO- Portaria nº 157/2002. Tais diretrizes apesar de serem avanços se olharmos para o passado, ainda negligenciam muitos aspectos e apresentam muitas brechas.

Um exemplo das brechas apresentadas pode ser observada na Resolução nº 18/99, que dita Diretrizes Básicas para Análise e Comprovação de Propriedades Funcionais e ou de Saúde Alegadas em Rotulagem de Alimentos, especificamente, o item 3.3, foi aberta a possibilidade de se permitir o uso de alegações de funções plenamente reconhecidas pela comunidade cientifica e leiga para os nutrientes naturalmente presentes nos alimentos sem necessidade de comprovação. Porém, o que ocorre no caso do produto analisado é a simples promoção de um nutriente que esta presente naturalmente no alimento contudo, não na quantidade anunciada. Esta ultima só será alcançada com a adição de outro produto (leite semidesnatado) não comercializado em conjunto com este.

Além disso, por esse produto ser um cereal, ele muitas vezes é consumido por indivíduos numa faixa menor que 12 anos (crianças) que não possuem discernimento suficiente para a escolha adequada do alimento sendo influenciadas por ilustrações como a apresentada no rótulo na qual aparece um ursinho apontando para uma tigela de cereais. Porém, tal ilustração não fere nenhuma legislação já que a RDC 222 /02, que Dispõe sobre a Promoção Comercial Dos Alimentos Para Lactentes e Crianças De Primeira Infância não deixa claro que produtos são considerados de primeira infância e que produtos são para crianças acima de 3 anos de idade estes últimos não sendo penalizados sobre a promoção do produto com ilustrações de personagens humanizados.

Cumpre ainda destacar que a declaração de ferro e cálcio, por sua vez, tornou-se facultativa desde dezembro de 2003 com a publicação da RDC 360/03, enquanto a declaração de gorduras trans passou a ser obrigatória, seguindo uma tendência internacional. Todavia, é importante ressaltar que os teores de ferro e cálcio, que já constam nos rótulos de muitos alimentos, são informações úteis tanto para os consumidores quanto para os profissionais da área de saúde que podem deixar de existir.

Estudos comprovam que 43% dos consumidores brasileiros buscam nas embalagens dos produtos informações sobre os benefícios para a saúde na hora de escolher o produto mais adequado para o consumo da sua família (COUTINHO, 2004). Portanto, informações que exaltam a capacidade de prevenção e controle que a alimentação pode exercer sobre doenças como o câncer, a hipertensão arterial, a obesidade e as doenças do coração incentivam os consumidores a escolherem o produto.

De acordo com MARINS(2004), 61% dos entrevistados, frequentadores de supermercados, liam os rótulos dos produtos que compravam; porém, ressaltou-se que tal conduta referia-se, particularmente, àqueles consumidores com problemas de saúde ou de classe social mais elevada.

A partir desses dados entendemos que as informações presentes na embalagem do produto “Snow Flakes rico em Ferro e Cálcio” possuem forte caráter tendencioso quanto à escolha do consumidor. As citações “Comece o dia com OS GRANDES AMIGOS DO CAFÉ DA MANHÔ, “31% de cálcio e 27% de ferro” e “RICO EM CÁLCIO E FERRO” podem levar o consumidor a incluir o produto na categoria de alimentos que apresentam benefícios à saúde do indivíduo, consequentemente, levando ao aumento do seu consumo. Na embalagem ainda encontramos ilustrações que possam sugerir a “boa” alimentação da sua família (Figura 2.1) e influenciar crianças (Figura 1.1).

Outro fato importante a ser levado em consideração quanto à informação do consumidor é a declaração de fornecer 31% do valor diário recomendado de cálcio quando na verdade o produto fornece apenas 12%, como descrito nas informações nutricionais. Esse detalhe salienta ainda mais a procura dos fabricantes por dados que possam influenciar o consumidor. Além disso, encontra-se, em circulação, juntamente com o produto apresentado, uma outra versão do cereal Snow Flakes porém, esta não apresentam as citações sobre a quantidade de cálcio presente em sua embalagem (Figura 3.1). A quantidade de cálcio presente no cereal só está presente no quadro de informação nutricional que quando comparado ao do produto discutido não apresenta diferenças (Figura 3.2). Mais um sinal do interesse pelo aumento do consumo do produto pela população.


Portanto, todas as informações encontradas sugerem a valorização do produto com a finalidade de aumentar o seu consumo sem se preocupar se há beneficiação do consumidor.



Referências Bibliográficas:

ANVISA. LEGISLAÇÃO. VISALEGIS. Resolução RDC n°259, de 20 de setembro de 2002a. Aprovar o Regulamento Técnico sobre Rotulagem de Alimentos Embalados.

ANVISA. LEGISLAÇÃO. VISALEGIS. Resolução RDC n°360, de 23 de dezembro de 2003b. Aprovar o Regulamento Técnico sobre Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados, tornando obrigatória a rotulagem nutricional.

ANVISA. LEGISLAÇÃO. VISALEGIS. Resolução RDC n°263, de 22 de setembro de 2005a. Aprovar o Regulamento Técnico para Produtos de Cereais, amidos, farinhas e farelos.

ANVISA. LEGISLAÇÃO. VISALEGIS. Resolução RDC n°18, de 30 de abril de 1999. Diretrizes básicas para análise e comprovação de propriedades funcionais e ou de saúde alegadas em rotulagem de alimentos.

ANVISA. LEGISLAÇÃO. VISALEGIS. Resolução RDC n°222, de 05 de agosto de 2002c. Aprovar o Regulamento Técnico para Promoção Comercial de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância.

Rotulagem nutricional obrigatória: manual de orientação às indústrias de Alimentos - 2º Versão. Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Universidade de Brasília, 2005.

SMITH, A. C. L. Rotulagem de alimentos: avaliação da conformidade frente à legislação e propostas para a sua melhoria. SÃO PAULO, 2010.

MARTINS, PAULA LUTOSA. Infancy and adolescence: is the feeding sufficient in calcium and phosphorus? Rev Med Minas Gerais, 2008.

PEREIRA, G., GENARO, P. S., PINHEIRO, M. M., SZEJNFELD, V. L., MARTINI, L. A. Cálcio dietético – estratégias para otimizar o consumo. Revista Brasileira de Reumatologia, 2009.

FERREIRA, A. B., LANFER-MARQUEZ, U. M. Legislação brasileira referente à rotulagem nutricional de alimentos. Rev. Nutr., Campinas, jan./fev., 2007

http://www.nestle.com.br/site/marcas/snow_flakes/cereal_matinal/snow_flakes_original.aspx, consultado em 31 de julho de 2011, às 15 horas.

Por Ludmila Avila e Sylvia Andrade





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